Baile de Máscaras em
Plena Noite de Natal
Plena Noite de Natal

Zacarias Sepúlveda Bezerra, alfaiate, recebeu o convite em sua casa, um sobrado caindo aos pedaços, localizado num dos piores bairros da cidade, onde morava com a mãe, ve- lha detestável, manca e diabética. Os olhos do mensageiro não desgrudaram dele, enquanto Zacarias segurava com de- dos flácidos o papel:
— Que merda é essa?
— Esteja lá às oito em ponto. Não se atrase. Um baile de máscaras.
— Mas hoje é Natal!
— E daí? Esteja lá às oito em ponto. Não se atrase.
Duas horas depois Zacarias pegou o terno que acabara de confeccionar para o melhor cliente, a cartola e a bengala que fora de seu pai, e a máscara que ele mesmo, Zacarias, alfaiate, costurara às pressas apenas para o evento. Uma carranca horrenda, parecida com as usadas por pigmeus africanos em rituais de feitiçaria.
— Que tal?
A mãe, vestida de Papai Noel, tirou os olhos da tevê, mediu o filho e cuspiu de lado.
— Você está à cara do prefeito.
Foi a única observação que ela, criatura odiosa, fez, antes de voltar a enfiar os olhos na tevê. A velha havia cuspido de lado porque não gostava do prefeito. Também não gostava de gente fantasiada de Papai Noel. Mas ainda não sabia dis- so.
Ao chegar ao baile Zacarias percebeu que tudo não passava de uma armadilha. Uma armadilha de Natal.
— Você será enforcado, canalha dos infernos! Como tem co- ragem de aparecer aqui depois do que fez?
— Eu não fiz nada. Fui convidado. Deixem-me em paz.
Dezenas de máscaras o cercaram:
— Facínora!
— Assassino!
Quem regia a saraivada de insultos era justamente o pre- feito, que por coincidência também se chamava Zacarias Se- púlveda Bezerra. Além disso Zacarias Sepúlveda Bezerra, prefeito, usava uma máscara que lembrava bastante o rosto de Zacarias Sepúlveda Bezerra, alfaiate.
— Tragam uma corda. De hoje esse sujeito não passa.
Havia muitos homônimos no salão, visto que todos os pre- sentes, exceto os do sexo feminino, se chamavam Zacarias Sepúlveda Bezerra.
Dois dias antes o prefeito com cara de alfaiate havia violen- tado e estrangulado, no seu gabinete, um garoto de doze anos. Um garoto fantasiado de Papai Noel. Por isso o alfa- iate com cara de prefeito estava sendo levado, contra sua vontade, até uma forca montada de uma hora para a outra no fundo do salão.
— Me soltem. Vão tomar no cu!
O alfaiate esperneou e distribuiu sopapos a torto e a direito. A multidão mascarada afastou-se por um instante, depois engolfou-o:
— Maníaco! Sodomita!
No chão coberto de confete e serpentina, a cartola, a benga- la e o convite um pouco amarrotado.
— Meeeeee sol… teeeeeem…
Enforcaram-no ao som de Noite feliz. O corpo, já sem ânimo nem cor, ainda estrebuchou durante três ou quatro segun- dos. Quando a máscara caiu, todos viram que não era Za- carias Sepúlveda Bezerra, alfaiate, mas sua velha mãe.
— Escapou mais uma vez, o depravado.
Atiraram a velha pela janela e deram prosseguimento ao baile, que, apesar dos dois linchamentos posteriores, am- bos transmitidos ao vivo pela tevê, não foi tão espetacular quanto os bailes do Natal passado, em que o número de jus- tiçados, de crianças violentadas e de idiotas fantasiados de Papel Noel havia sido bem maior.
(Nelson de Oliveira)
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