Depoimento de um parido em 24/12

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Depoimento De Um
Parido em 24/12





Nascido em 24 de dezembro de 1980, passei anos a fio con- vivendo com as mesmas situações causadoras de desa- grado imenso. A começar pela data, em que muitos dizem ser belíssima, mas que só foi munição para os gozadores. Dos humoristas de plantão ouvia o batido escárnio que afirmava que eu sou veado e meio, pois nasci no dia vinte e quatro (número do animal galheiro no jogo do bicho) de doze (metade daquele número). Sempre acompanhado das risadas daqueles que escutam pela primeira vez a anedota do espirituoso da vez. Sendo eu obrigado a aturar esse constrangimento muitas vezes, o ano todo, todo ano.

Por outro lado, também é comum as pessoas exclamarem ser esta uma data abençoada e que ganho dois presentes. Pura balela! A começar pela benção da data, o dia sagrado é 25 de dezembro, quando nasceu o J.C.. A véspera é apenas uma preparação para tal celebração. As pessoas perdem o dia 24 arrumando suas casas e, por final, ceando em nome do Divino, enquanto que o papai aqui jamais poderá marcar uma festinha para o mesmo dia, sob pena de estar desres- peitando a ocasião cristã. Além de tudo apenas um presente me é ofertado, já que as pessoas precisam presentear quem lhe afeiçoa, por isso, nunca têm dinheiro para com- prar, no mesmo mês, dois presentes para mim.

Esses são os problemas que enfrento atualmente e até te- rapia já procurei para superar, mas o pior de tudo acon- teceu na minha infância. Além de nunca ter festejado em sala de aula com meus coleguinhas, posto que quando se dá meu aniversário já acabou o período letivo, eu também não tinha autonomia para escolher o tema de minha festinha. Enquanto a cada ano meus irmãos tinham uma decoração di- ferente e criativa, a minha obrigatoriamente tinha que se- guir a decoração natalina. Queria o kit festa da Turma da Mônica, ThunderCats, Trapalhões, Simpsons e etc. Mas sem- pre era forçosamente coagido a aceitar os enfeites de Papai Noel.

Mais estranho é o fato de que por muito, muito tempo, quan- do estudante primário, acreditei que a consagrada canção Noite Feliz fora composta em minha homenagem. Sentia-me lisonjeado ao ouvir meus colegas cantando no colégio e fi- cava constrangido em cantá-la, por achar que eu não deve- ria fazer parte de um coro que enaltecer-me-ia. “Pobrezi- nho nasceu em Belém…” era a frase que dava a dica e me fazia crer que o Deus do Amor, da letra, ninguém mais era do que eu, ainda mais sendo este nascido na noite natalina, quase coincidindo com meu nascimento.

Há cinco anos, bondosos e estimados amigos, solidarizados com meu sofrimento, instituíram o data de Páscoa, como de meu aniversário alternativo, no escopo de ajudar na supe- ração deste trauma. Embora minha família ainda mantenha a tradição do aniversário decembrino, convencionamos en- tre confrades a data da ressurreição do Senhor como uma espécie de renascimento meu. Logo também é comemorável e presenteável. Então não pensem que estou perseguindo Jesus, estou apenas me equiparando a ele em direitos. A fi- nal de contas eu também sou filho de Deus!

- O nome do autor será omitido para preservar a integrida- de emocional do mesmo..



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